quinta-feira, 4 de agosto de 2011

A primeira vez a gente nunca esquece 4

Foi uma aventura. Lembro-me do exato momento em que senti o que era a tal liberdade.
Já havia descoberto o quintal sob diversos ângulos e texturas. Ora olhos atentos no chão e no pneu da magrela, ora uma vista inesperada do céu e a aspereza do cimento.
Nem sei quantos acompanharam o processo, mas foi num dia de insistência, sozinha, que aconteceu.
Era tanto ir e vir com meia sola de tênis no chão e outra metade no pedal, que consegui!
Uma deslanchada pequena, mas segura.
Naqueles poucos metros entendi que a liberdade chega quando o medo vai.
Desci da magrela, larguei-a de qualquer jeito no chão e saí correndo.
- Conseguiiii!! - Gritei pela cozinha para que a casa toda ouvisse. 

quinta-feira, 28 de julho de 2011

A primeira vez a gente nunca esquece 3

Não me lembro da primeira vez.
Mas contam que corri sem medo ao encontro das ondas.
Hoje sou outra, vivo mais de respeitos do que de atrevimentos.
Lembro-me de banhos de mar ou de histórias que me contam sobre eles.
Assim como as ondas, a memória gosta de esconder.
Sou puxada pelos braços no meio da espuma e me deixo levar.
Do lado de fora, o som da água, do lado de dentro, o som da felicidade.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

A primeira vez a gente nunca esquece 2

Uma vez olhei por debaixo d’água.
O rio era comprido e não sabia se me entenderia com os peixes, com o snorkel, com o ar ou com a falta dele.
Mas tudo isso ficou, de repente, pequeno. Era como espiar Pandora na pele de um Avatar.
Bolhas de água que brotavam pedras. Peixes grandes e pequenos de muitas estampas. Águas em profundidades diferentes. Verdes de tonalidades múltiplas.
Então as florestas também nascem do lado de baixo da água e não só do lado de cima da terra? 

terça-feira, 26 de julho de 2011

A primeira vez a gente nunca esquece 1

Olhei pela janela e era ela. Caía de mansinho.
No início se fingia de chuva para não chamar muita atenção.
Mas foi encorpando e ganhando volume, perdeu transparência, ganhou cor.
Branco. Branco cisne, branco algodão doce, branco nuvem.
Eu estava viajando sozinha e não tinha com quem comemorar.
Falei sozinha, fiz gestos empolgados sozinha, caminhei mergulhada em novidade.
Estava lúcida de belezas.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Até quando?

Como um conta-gotas poderoso,
A cachoeira se esconde das gentes.
Joga gotículas que encontram a lente distante da máquina fotográfica de uns poucos aventureiros.
Ainda merecemos...

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Desconhecimento

Bicho do mato tem medo de gente.
Demora para pegar intimidade.
Só deixa chegar perto depois de muito charme.
Gente devia ser igual.
Afinal demora uma vida... e não é que morremos sem conhecer direito as nossas gentes?

quinta-feira, 30 de junho de 2011

A lareira insiste em não acender.
Um passarinho espia pela janela.
Quer armazenar os meus gravetos para construir o seu ninho...

terça-feira, 28 de junho de 2011

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Chance para o amor

O ninho do beija-flor é a prova de que ainda há uma chance para o amor.
A parte interna é toda revestida de algodão importado da Paineira.
O revestimento é duplo. Maciez garantida por centenas de fios.
Superior aos lençóis de algodão egípcio.
Tem ainda a vantagem de não precisar da mãe o tempo todo para ninar.
A natureza sopra um ventinho e resolve tudo.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Des

Mesmo com tanto des...
Desencontro.
Desentendimento.
Desencanto.
Descontentamento.
O céu continua a rosar todo fim de tarde.
Será um sinal?

terça-feira, 21 de junho de 2011

Limonada

O limão cravo engana os sabores.
Faz pensar que o azedo pode ser doce.
A vida também brinca com o paladar.
Adoça o azedo e azeda a doçura.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Cheiro de inverno

Comprei um par de óculos com lentes cor-de-rosa.
Ele funciona como perfume novo: aromatiza as cores.
Campos de capim gordura acompanham minha estrada.
Ficam ruivos de sol. Mas com os óculos... parecem pink.
Pink, ruivo, pink, ruivo... pink.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Noite

Por alguns instantes, as luzes da cidade dão lugar às estrelas. 
Não devia ser o contrário?

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Ventania

O vento passa para livrar as árvores de seus galhos velhos.
Será que algum vento leva embora mau pensamento também? 

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Horta em extinção

A lagarta mastiga voraz toda a couve.
Dizem que lagartas são um ótimo alimento para os passarinhos.
Preciso acabar com a mordomia das bananas no comedouro.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Uma mosca entrou alucinada no elevador.
Todos ficaram felizes.
Finalmente seria possível variar o assunto e parar de falar sobre o tempo.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Miragem

O sapo pulou no tanque.
A água já tinha escoado.
Ficou olhando inconformado.
Oásis de concreto?
Só pode ser coisa de gente.
Pulou nas poças d’água.
Chui chuá.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Amor


Amor com liberdade tem gosto de bolo de chocolate com cobertura.

Pensa comigo:
O menino espera ansioso.
Será que eles vêm?
De repente, o comedouro fica cheio.
O passarinho azul, aquele da cor preferida, espera sua vez no galho do abacateiro.
Sai um, entra outro.
Eles comem, se empurram, resmungam pelo pedaço de banana.
Um é mais guloso e tem um outro que é medroso.
Com o fim da banana eles voam embora.
No dia seguinte, começa tudo de novo.
O menino coloca a banana, espera a visita, dá um frio na barriga...
Será que eles vêm?

terça-feira, 24 de maio de 2011

Azar

Enquanto a passarada disputa a banana no comedouro...
Uma joaninha amarela com bolas pretas passeia pela máquina.
Tímida, não se deixa fotografar.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Visitante

Depois do jantar, sentávamos embaixo da mangueira.
Alguém pegava o violão.
Restava uma cadeira livre na roda.
Por pouco tempo.
Uma perereca se sentava.
Fazia de conta que conhecia a letra da música.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Jacu

Dizem que está em extinção.
No meu jardim, não.
O abacateiro se rende à sua equipe.
São 10 ou mais!
Nem o bico do tucano os assusta.
Nem a espera do sabiá os constrange.
Comem até a última dentada verde.
O bicho do abacate que se cuide!

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Filhote

E se o gato pegar?
E se não vingar?
E se adoecer?
E se a mãe morrer?
Nascer é para quem tem coragem. 

terça-feira, 17 de maio de 2011

Seresta

Grilos cantam para receber a noite.
Sem pressa de anoitecer,
Sem pressa para dormir,
Sem pensar na manhã que vem,
Sem querer estar num lugar que não existe.
Shangri-La mora aqui.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Não sei da onde vem,
O canto triste que não para de tocar.
Parece um ninho vazio,
Cansado de pensamento.
Cheio de voz.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Aranha

Ela se agarrou com as seis patas no graveto, como se fosse sua última chance.
O filtro da piscina sugava e cuspia com a fúria de um dragão.
Estava exausta, mas isso não fazia diferença.
Escalou o graveto com a velocidade dos que não sabem se haverá amanhã.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Confissão

A lua me avisou,
Que tem o solo esburacado,
Que empresta a luz do Sol,
Que não promete nada,
Que é cinza.
Fingi que era surda.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Encontro

Na hora do almoço o pantaneiro dorme.
Eu ando de bicicleta.
Um cervo para no meio da estrada de terra e me olha.
Olho para ele também.
Quero brecar, mas a magrela é enferrujada e resmunguenta.
Continuo sem pedalar, devagarinho.
Flertando! Esticando os segundos.
Acariciando a beleza.
Que seja eterno enquanto dure.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Colecionava sementes no quintal.
Chamava-as de nenéns.
Cuidava dos nenéns como se cuida de gente pequena.
Olhava uma a uma e juntava-as num saquinho de pano ou nos bolsos da calça fofa de veludo. 

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Música

Os cantos se misturam e já não sei mais de quem é cada voz.
Maritaca, bem-te-vi, sabiá.
Grilos, que não obedecem o silêncio do sol.
O tucano ainda reconheço.
Ele é o instrumento de percurssão da orquestra.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Chupim

O tico-tico dá de comer e nada de estancar a fome.
Não se zanga.
Incansável, sente orgulho de seu primogênito robusto.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

A grama coçava os pés. 
A menina pegou um morango silvestre no arbusto. 
Já ia colocando-o na boca quando olhou mais de perto. 
Deu um grito e o morango voou longe. 
Ela franziu a testa numa careta e esfregou as mãos uma contra a outra, bem rápido. 
Todas as outras vezes, durante a vida inteira, antes de colocar um morango silvestre na boca, ela abriu a fruta em dois e examinou o seu interior para ter certeza de que se tratava de uma casa vazia.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Wet’n Wild

Um vaso de planta ganhou água.
O prato de baixo ficou alagado.
Dois passarinhos fizeram do prato a sua piscina.
Sacudiram corpos, estufaram penas num senta e levanta, pula e balança.
O menino viu a cena e correu para casa!
Pegou uma tigela sem planta, encheu de água e levou para o gramado.
Os passarinhos agradeceram, mergulhando no novo recipiente.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Uma goiabeira na rabeira da avenida.
Lá no galho, duas goiabas nasceram geminadas.
Dentro delas, vida urbana.
Um túnel rompe as barreiras da casca.
Dois bichos de goiaba transitam alegres entre os blocos.
Desfrutam dos benefícios da vida em condomínio.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Durante o final de semana é hora do bicho espreguiçar.
Então, pedimos silêncio.
Shhhh!
Parece chuva.
As plantas vão gostar.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Insistência

Hoje de manhã um perfume veio correndo do jardim.
Ele não queria deixar eu sair de casa!
Gritava dentro do meu nariz:
- Você não pode me evitar!

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Sono de cachorro

Pupy treme.
Será um sonho bom?
Será em forma de filminho como os meus?
Pupy resmunga.
- Calma, Pupy! Dorme em paz! Tarantino está ocupado com cachorros malvados, que atacam passarinhos.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Azul

Beija-flor escolheu a laje que cobre o portão.
Arquitetou uma casa pendente.
Os donos da casa continuaram usando o portão para entrar e sair.
Nhec nhec.
Os filhotes nasceram com música estranha de ninar.
Nhec nhec.
Durante toda a infância, acreditaram que o céu era cinza.
Sólido como o cimento.
No primeiro voo, tiveram uma grande surpresa azul.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Lagartixa

Chego bem perto daqueles olhos arregalados e grito:
- Essa casa é minha!
Ela finge que está preocupada, mas continua morando no meu quarto.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Luto

Os tico-ticos ainda estavam dentro da casca, mas já tinham nome: Lica e Piteco.
Na calada da noite, uma guerra nas folhas da samambaia!
O sono da menina se agitou.
Nhact!
Tentou despertar.
Nhact!
Levantou cedo preocupada com o pesadelo.
Como de costume, foi visitar Lica e Piteco.
Encontrou a porta do ninho arrombada.
Casca vazia.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Abro uma manga sem bater na porta.
A manga me faz caretas.
Trânsito!
Seus habitantes tentam a fuga pelos túneis da fruta.
Este mundo superpopuloso me irrita.